20.5.10

GABRIEL DUTRA e DANIELA MAZUR

“Paradise Now”
Uma análise crítica do filme de Hany Abu-Assad, com base nos trabalhos de Roque Laraia e Claude Lévi-Strauss sobre cultura.

O filme “Paradise Now” trata, em um breve espaço de tempo, sobre um dos grandes conflitos atuais da humanidade: o choque entre Israelenses e Palestinos. Aborda, nesta obra, não o lado estritamente político, mas também os pensamentos e motivações dos envolvidos nesta questão, frequentemente ignorados, e aqui retomados com um novo foco: os homens-bomba, não como simples suicidas e fanáticos, mas como pessoas comuns, que em meio a diferentes questões e imersas em outra cultura, realizam um sacrifício que não é compreendido em sua totalidade pelo olhar desatento.

A própria guerra abordada pelo filme já demonstra aquilo sobre o que Laraia discorre e julga como falso: o determinismo biológico e geográfico. A proximidade territorial e a semelhança racial tornariam este grande conflito redundante, pois não apresentaria seu catalisador fundamental: as diferenças culturais, defendidas também por Lévi-Strauss como aquilo que verdadeiramente torna os povos distintos e únicos. Esta relação de diferença, entretanto, pode gerar visões etnocêntricas da realidade, que, neste caso, levam infelizmente à guerra armada. Ao não ser capaz de interagir pacificamente com a cultura vizinha, inicia-se um processo de xenofobia entre os grupos, trazendo destruição para ambos; talvez seja este um dos problemas em se localizar abaixo do “optimum de diversidade” defendido por Lévi-Strauss.

É, contudo, partindo da situação de intolerância mostrada no filme, que o relativismo cultural se mostra presente: não só em grande escala, nas diferenças políticas e espaciais entre as cidades, mas também em outros detalhes, como costumes, comportamentos e crenças dos personagens. Neste sentido a personagem Suha se torna fundamental, por inserir um ponto de vista diferente sobre a questão, graças a seu envolvimento pessoal somado ao conhecimento adquirido por esta em seu processo de endoculturação, que a diferencia dos demais personagens. Ela se torna responsável por realizar o contato entre diferentes culturas no decorrer do filme, sendo também uma “lente” para o espectador crítico, realizando o elo entre sua visão e o pensamento dos personagens envolvidos, facilitando a apresentação desta difícil questão.

Em uma das cenas é retratado como uma visão etnocêntrica pode ser desfocada. Através de uma metáfora implícita em uma cena onde um cliente de Said reclama que o parachoque do seu carro está torto e Said e Khaled, seu amigo e colega de serviço, discordam. Após se aborrecer com o cliente, ele dá uma marretada no parachoque forçando-o a ficar realmente torto, como o cliente jurava estar. Sendo que na realidade, o que estava torto era o chão onde o carro estava estacionado. Isso nos remete que o chão, que aqui o consideraremos como a sociedade e cultura, pode ser torto e nos fazer enxergar do ponto de vista dele, já que se o chão está torto, nós estamos também e tal qual a nossa visão. Não é uma questão apenas de opinião e sim de cultura.

Como a Diversidade Cultural é bastante marcante nesse filme, ela não poderia deixar de existir entre os dois amigos e personagens centrais da trama. Como bons amigos e conterrâneos, eles dividem mesmos aspectos da cultura palestina, como o jeito de se vestir, de se alimentar, de ver o mundo e o gosto pelo fumo de Narguilé. Porém, mesmo tendo tanto em comum, quando eles recebem a notícia de que foram escolhidos para serem homens-bomba num atentado terrorista a Israel, eles tem reações totalmente diferentes: Khaled, com uma visão mais etnocêntrica, fica muito contente, enquanto Said parece não gostar muito da situação, mas se prende à crença de que Alá o escolheu para essa missão. Duas pessoas de uma mesma cultura, porém com visões muito diferentes, um exemplo de que mesmo dentro de uma cultura pode haver várias diferenças.


Em outras cenas do filme, quando Khaled e Said são vistos vestidos em ternos pelos habitantes de sua cidade, é possível observar mais uma das abordagens de Lévi-Strauss sobre a cultura; ela estaria intimamente ligada à noção de identidade de um grupo, que para não perdê-la, pode buscar ativamente sua diferenciação. Os irmãos recebem outro tratamento quando se apresentam numa vestimenta normalmente associada àqueles tratados como inimigos, sendo até mesmo feita uma indagação de teor negativo e de desaprovação, quando perguntam se eles teriam se tornados judeus.

Os escritores Laraia e Lévi-Strauss abordam um tema bastante importante: a socialização (ou a adaptabilidade). O contato ente diferentes culturas desperta a vontade de ser diferente do outro e ainda causa a Antropofagia, onde se assiste a uma diferente cultura e dela retira-se o que é considerado válido e bom para a sua própria cultura. Suha é a encarnação ativa disso. Quando ela está de volta à Palestina e com o desenrolar da história, ela descobre que seus dois amigos estão próximos de ser mártires. Ela tenta incessantemente questionar e mudar a concepção deles e mesmo antes de saber no que seus amigos estavam envolvidos, inocentemente ela conversa com Said sobre como ela não vê mais esses atentados suicidas como uma boa maneira de chegar a solução do problema entre a Palestina e Israel. Como filha de um mártir, sua opinião sobre o ato do pai deveria ser positiva, mas suas novas experiências a conduziram a pensar diferente.

O filme veio realmente quebrando paradigmas e mostrando pontos de vistas que são normalmente mal vistos. Um grande exemplo das teorias defendidas por Lévi-Strauss e Laraia e confirmando a importância da diversidade cultural e o respeito a esta.