20.5.10

RAFAEL CATHOUD, STEFANO PIRES e LUÍSA GONÇALVES

"Paraíso agora” é o sugestivo título do filme dirigido por Hany Abu-Assad, que aborda as disputas culturais e políticas dramáticas vividas pelos refugiados de Israel. Na trama, Sayid e Kalhed, que são amigos de longa data, participam de um grupo revolucionário armado que em nome de Deus e da liberdade de seu povo elege os “Homens-bomba” ou “Heróis” para o contra-ataque às forças Israelenses. Diante desse contexto a jovem Suha, filha de um mártir da luta palestina criada na cultura ocidental, retorna à palestina descobrindo que os amigos foram eleitos pelo grupo para se tornarem os próximos heróis dos suprimidos. Desse modo é formado um grande drama, em que o background é choque entre duas culturas distintas.

Esse choque é representado em diversos aspectos cênicos, desde a indumentária e até os aspectos psicológicos. Essas diferenças, continuamente marcadas durante o filme, auxiliam na construção paulatina da identidade cultural de cada povo retratado. Personagens da mesma origem, mas com formações culturais diferentes. Nesse ponto particular, pode-se estabelecer uma relação com Laraia em seu texto “A natureza da cultura ou da natureza à cultura”, em que é proposta a idéia da cultura ser provida ao individuo pelo seu convívio em sociedade, e não relacionada às questões genéticas e outros fatores deterministas. No filme, Suha, mesmo possuindo herança genética semelhante a dos dois amigos, é dotada de uma mentalidade contrastante a deles. Para ela, os valores individuais superam os valores coletivos, uma vez que na cultura ocidental o conceito de indivíduo é muito vivo em seu cotidiano. Já a fala de Sayid, protagonista e dono das reflexões mais provocativas do filme, resume seus ideais de maneira a dispensar maiores comentários: “A morte é melhor que a inferioridade. Quem luta pela liberdade pode morrer por ela”.

Como uma nítida crítica ao etnocentrismo, o filme busca retratar o ponto de vista de vários personagens para um mesmo acontecimento. Esse olhar múltiplo é bem trabalhado por Levi-Strauss, que cita em seus trabalhos a importância da diversidade cultural. Ele afirma que quanto mais culturas convivem em um mesmo espaço e tempo, maiores são as possibilidades de dar-se o desenvolvimento humano. Para Levi-Strauss as transformações culturais são frutos desse o intercâmbio cultural, pois ele permite a incorporação, e o aprimoramento de várias características de outras culturas, criando novas perspectivas para a humanidade. Em “Paradise Now” o contato de Suha com Kalhed ilustra perfeitamente como o processo de transformação cultural ocorre e as transformações advindas do diálogo e do embate com outras visões de mundo.. Após um tenso diálogo entre os dois personagens, Kalhed faz uma reflexão sobre as suas escolhas e desiste de cometer suicídio pela causa do grupo revolucionário. Em contra-partida Sayid, mesmo após travar semelhante diálogo, termina seus últimos silenciosos instantes em busca de um paraíso.