24.7.09

Meia Hora

Por Alan Pessanha, Carolina Akool, Fernanda Carvalho e Gustavo Castro

SOBRE O JORNAL

O jornal “Meia Hora” surgiu em 2005, com a tiragem de 50 mil exemplares. A cada ano que passou o jornal aumentou sua popularidade, até atingir níveis históricos de tiragem e vendagem. Hoje conta com uma média de 230 mil exemplares diários e diversos prêmios adquiridos.

Pertencente ao grupo “O Dia”, o jornal surgiu a partir da necessidade de se atender o público das classes C e D, que não tinham algo voltado para eles. Com formato de tablóide, chama atenção pelas manchetes ousadas, o preço popular e o fácil manuseio.

A equipe é formada por jovens jornalistas que, na grande parte das vezes, não produzem um trabalho investigativo próprio, mas remontam informações passadas de outras fontes, como o próprio jornal O Dia, para uso de seu linguajar e apresentação diferenciadas.

O jornal é baseado na fórmula: crime-futebol-mulher-celebridade e faz uso de uma linguagem bastante coloquial, com muitas polêmicas envolvendo capas e manchetes (como brigas de casal como a de Dado Dolabella com Luana Piovani e morte de personalidades como Clodovil e Michael Jackson).

Henrique Freitas é a mente principal por detrás do sucesso do jornal. É interessante se ressaltar que os principais idealizadores do jornal, como Freitas, não fazem parte do nicho social do seu público-alvo leitor, são formados em universidades públicas, de classe média/alta e com experiência em outros tipos de jornalismo, como O Globo, por exemplo.
Comparação com Debord

Estabelecemos, então, uma comparação com “a sociedade do espetáculo”, termo usado por Guy Debord para texto do mesmo nome. Através desse texto é discutido como a sociedade é retratada pelo viés da espetacularização onde as relações sociais são deslocadas do mundo real, sólido para o mundo das representações, virtuais e fluidas.

Tendo o jornal um apelo popular voltado principalmente para o culto da imagem em detrimento de um aprofundamento maior nas questões sociais é pertinente falarmos que o jornal, na verdade, reproduz a condição da espetacularização da sociedade. Segundo Debord, o espetáculo é a afirmação da aparência reafirmando-a como a condição da vida humana.

A sociedade passa a ser expressar pelo espetáculo por meio de sua própria linguagem onde “o que aparece é bom, o que é bom aparece”. No espetáculo o fim não é nada, o desenrolar é tudo; ele não deseja chegar a nada a não ser a ele mesmo. A imagem se torna o próprio fim e é tida como a realidade, servindo-se da visão como o sentido privilegiado da pessoa humana. Basta darmos uma rápida observação no jornal para constatarmos que para o mesmo a imagem fala por si, necessitando somente de frases com impacto irônico e linguagem coloquial para completar seu sentido.

O espetáculo transforma as coisas complexas e sutis em coisas triviais e banais havendo a mercantilização da vida. O mundo da mercadoria domina a vida fazendo-se ver através do espetáculo o mundo presente e o ausente onde a forma-mercadoria desenvolve-se através do quantitativo. Esse fato fica claro no jornal Meia Hora através do preço acessível e o desejo de ser apenas o “o mais vendido”, demonstrando a sua preocupação comercial. Além disso, notícias que em outros jornais renderem várias análises, no Meia Hora são tratadas de forma banais, espetáculos a serem consumidos.

MASSA

Raymond Williams trata do conceito de massas, alertando que a mesmas são, na verdade, maneiras de ver os outros, interpretando-os segundo uma fórmula específica. A fórmula das “massas” está relacionada, portanto, com as idéias de um populacho de gostos baixos e fácil de conduzir.

O público alvo do jornal Meia Hora é a massa. E esta é claramente vista pelos editores do jornal segundo a fórmula que Williams menciona, reforçando um caráter fácil, vulgar e sem aprofundamento dos seus leitores. Logo, este mesmo olhar e tratamento será direcionado ao jornal, fazendo o Meia Hora ser considerado, por muitos um jornal baixo, sensacionalista, de conteúdo inferior e de mau gosto.

Há, portanto, duas problemáticas a serem destacadas. A primeira, também baseada em Williams, é o fato de considerar que a comunicação de massa é a cultura popular. Ou seja, no caso do Meia Hora, que a escolha dos assuntos, a forma de tratá-los, a linguagem são as manifestações culturais da população. Tal visão é bastante presente entre a elite (ou entre os que se consideram “fora da massa”) e ao mesmo totalmente questionável. A cultura popular, como o próprio nome diz, vem do povo. Enquanto, no caso estudado, o jornal Meia Hora não é produzido por pessoas oriundas das classes nas quais os leitores se situam. Seus editores são de classes altas (A e B), com grau de estudo superior. O que eles fazem e interpretar essa massa a partir de pontos de vista e interesses próprios, determinando qual conteúdo esta população deve ter acesso.

A segunda problemática é o sucesso que o Meia Hora tem entre as classes mais baixas, devido, também, à linguagem fácil e acessível utilizada nas matérias de jornal; ao tamanho, com reportagens curtas e de rápida leitura; e ao preço baixo (custando, atualmente, R$0,70). Tais atributos, entretanto, não são encontrados em materiais com conteúdos diversificados, tratados cuidadosamente, com cuidado editorial. Os materiais com estas características são caros, com uma linguagem densa e com material extenso, o que não condiz com o grau de instrução e com o tempo disponível de leitura deste público.

COMUNICAÇÃO

- Intenção

Por parte do editorial do jornal, há uma clara intenção de que o leitor receba facilmente a mensagem passada. Primeiramente, como o próprio nome do jornal indica, trata-se de uma leitura rápida, em meia hora. Segundo, ele tem como público principal pessoas das classes C e D, cujo grau de instrução é menor. E com base em tais características, o jornal trabalha com elementos diversos para chegar a tal objetivo: a linguagem é próxima à coloquial, com o uso de gírias e expressões populares em seu texto (principalmente nas manchetes). O vocabulário é básico, e mesmo assim, o jornal conta com um Dicionário, que traz a definição das palavras mais difíceis de cada edição.

- Conteúdo

Para que o jornal tenha alta circulação entre o público alvo (classes C e D), o seu conteúdo está bastante próximo à vida cotidiana do leitor. Há, por exemplo, uma sessão de prestação de serviço, que oferece oportunidades de trabalho e outros serviços; colunas onde o leitor pode expor suas necessidades, reclamações, denúncias (ex: ruas esburacadas); os conteúdos abordados sobre outras mídias (TVs, rádios, revistas) são próximas da realidade do leitor (fala-se, por exemplo, de canais abertos de televisão, nunca de TVs de assinatura). As propagandas e anúncios também seguem a mesma lógica: propaganda de empréstimos, de supermercados populares, e outros.
- Recepção

A comunicação se estabelece a partir de uma produção e subseqüente recepção da mensagem tratada, independente de seu meio de veiculação (jornal, tv, rádio). O mesmo produto comunicacional pode ter diversas acepções e interpretações em receptores diferentes, dependendo principalmente do contexto em que se encontra. No caso do Meia Hora, a recepção de suas manchetes escandalosas encontram recepções distintas dependendo do público e do contexto que se insere. A tentativa de ironia e comicidade muitas vezes só fazem sentido na época da manchete, e de maneiras diferentes pra cada receptor. Por exemplo, uma manchete sobre chacinas em favelas são recebidas de maneiras distintas pelos moradores do local e pelos moradores de regiões nobres e elitizadas.

No caso deste jornal também, os recursos e referências que constroem a mensagem permitem que esta chegue sem dificuldades a quase todos os leitores. Este consegue decodificar os assuntos de forma bastante rápida, pois esta é a proposta do jornal: ser uma leitura objetiva, simples e rápida.

DESDOBRAMENTOS

O jornal Meia Hora mostra-se, em nossa opinião, como um veículo de comunicação de massa sem pretensões sociais que não estiverem relacionadas com seu caráter mercadológico. O seu formato é condizente com a produção dos últimos anos, que condiz com a caracterização das novas mídias modernas: instantaneidade, praticidade e objetividade.

Porém, não se pretende a partir do alcance incrível que o veículo tem na população menos instruída, através do uso de uma linguagem mais acessível, mudar a maneira de se transmitir e, principalmente, receber informação. Ou seja, mesmo com a capacidade de levar a informação a estratos sociais que não tem tanta possibilidade de acesso a ela, como nas classes com maior poder aquisitivo, ele simplesmente apresenta as notícias de maneira estigmatizada e previsível.

Com o poder de permear a massa menos instruída, aliada com a capacidade inquestionável de se comunicar com ela, o jornal poderia inserir aos poucos assuntos mais variados, que abrangessem e ajudassem a criar uma massa crítica em relação à tópicos distintos a crueldades policiais e culto à celebridades efêmeras. Aí está moldada a sua determinação mercadológica: a partir do uso do espaço da informação para assuntos de pouca recepção reflexiva demonstra-se a perpetuação de um tipo de interpretação onde o público recebe a notícia e em “meia hora” se integra e consome os mesmo assuntos sempre abordados, que no instante seguinte já são jogados fora.