22.9.09

A Etiqueta como forma de Poder

A ETIQUETA COMO FORMA DE PODER


Lucineide do Nascimento Santos
Rosângela Oliveira de Santana


Resumo: Nesse artigo nos propomos a mostrar como a famosa personagem de Luís XIV, o Rei-Sol, que em seu reinado se transformou, quase em um emblema da monarquia absoluta européia, tão marcada pelo luxo e por demonstrações de riqueza, “domesticou a nobreza” a partir da invenção, a um só tempo da propaganda, da etiqueta e da corte.


Palavras Chaves: Etiqueta, Corte e Civilização.



È interessante notarmos que o tema etiqueta que ultimamente vem sendo divulgado de tantas formas como em revistas, sites, livros, programas de televisão e cursos sobre o tema tem sua origem histórica que remota á séculos anteriores, época das cortes européias.Mas é no reinado de Luis XIV, que elas vão mudar de lugar e de patamar. Os costumes são regulados, a vida fica, para esse estamento, mais pacifica e prazerosa tendo a corte como, centro.

“O que se entende por “corte” do antigo regime é, em primeiro lugar, a casa de habitação dos reis da França, de suas famílias, de todas as pessoas que, de perto ou longe, dela fazem parte.”
(Elias, 1995,19)

Entre os séculos XVI e XVIII as sociedades de corte cresceram por todos os países da Europa, e um dos mais importantes exemplos foi o já mencionado reinado de Luís XIV na França. O grupo de cortesãos que cercavam o rei diferenciava-se pelo vestuário, pelas expressões e modo de falar; marcas exteriores que mostravam a distinção, prestígio e status, nesse círculo. No entanto, o que se pretendia como símbolo de altivez passou a despertar desejos de ascensão em segmentos mais baixos, o que não foi bem recebido. Nesta época, a corte não era apenas o centro vital da alta sociedade. Segundo Norbert Elias, no reinado de Luís XIV, o centro da importância da vida mundana deslocou-se parcialmente para o hotêls, residências dos aristocratas da corte que não pertenciam á categoria de príncipes, os chamados homens de finanças, mas nem por esse fato a corte régia perdeu o seu lugar de centro. Era ai que convergiam todos os fios da trama social, ai se decidia a posição, o prestígio e, até certo ponto, os rendimentos dos homens de corte. A corte só na sua qualidade de centro da sociabilidade, de fonte de cultura, partilhava cada vez mais as suas funções com os círculos aristocráticos.

Luis XIV, o Rei-Sol

Dessa forma compreendemos não apenas como se formou a noção de etiqueta, mas também como essa prática cultural, mais adiante na sociedade contemporânea, alcança camadas sociais mais populares, tornando-se um produto a ser consumido. As novas maneiras de se comportar recebem o nome de civilização, para contra por a maneira de agir considerada bárbara, as maneiras de classes sociais camponesas, a fim de demarcar a diferença social.

“(...) Através da etiqueta, a sociedade de corte faz a sua auto-representação, as pessoas distinguem-se umas das outras e, todas juntas, distinguem-se doa que são estranhos ao grupo, dando a todos e a cada um a prova do valor absoluto da sua existência.”
(Elias, 1995, 78)

Luís XIV articulou uma propaganda sábia e poderosa para exaltar suas vitórias e soberania, mesmo vivendo em um período em que só uma pequena parcela da população tinha acesso aos jornais impressos, para se promover, valeu-se de pinturas, tapeçarias, medalhas, inscrições, roupas e etiqueta, tudo pensado para apresentar ao mundo o lado forte, justo e majestoso de seu reinado.
Em seu reinado, Paris era uma exposição de arquitetura, escultura e arte decorativa, os artistas entusiasmados com essa realidade chagavam aos montes para estudar ou trabalhar como artista da corte; Luís XIV passou a patrocinar a Academia Real de Pinturas e Esculturas, porém, existiam regras a serem cumpridas como a que proibia esculpir, pintar ou esboçar qualquer trabalho maior que as representações do rei; tudo era feito para exaltar a sua superioridade.

“O rei precisava de despir a camisa de noite e de vestir a camisa de dia. Mas esse gesto indispensável fora revestido de significado social. O rei transformara-o num privilégio com que honrava os seus nobres (...)”
(Elias, 1995, 59)

Mas as obras de arte não era a única maneira de promover a imagem do rei, moedas eram cunhadas com o perfil do rei, para celebrar datas vitoriosas do passado.
No Palácio de Versalhes, palácio esse construído por Luís XIV, criação artificial que era aos olhos da Europa a brilhante vitrine da França, os visitantes não podiam das às costas aos quadros do rei, pois, a sua imagem equivalia a sua presença física.




O brilho de Versalhes ainda nos fascina nos dias de hoje.

“(...) O conjunto destas construções, com centenas de apartamentos, milhares de compartimentos, inumeráveis corredores grandes e pequenas, soalheiros ou imersos em permanentes penumbra, constituía, pelo menos no tempo de Luis XIV, a verdadeira sede da corte e da sociedade de corte.”
(Elias, 1995, 56)
Jacques Wilhelm também relata que:

“(...) No entanto, feitas as contas, essa mudança de corte e do governo, a dezesseis quilômetros de Paris, arrastou pouca gente. Alguns milhares de cortesãos, homens e mulheres, os ministros e suas equipes, então pouco abundante. Em torno deles, a multidão se servidores, operários e soldados empregados no castelo, do qual tudo depende. Muitos, porém, dos grandes aos humildes, moram na cidade. É impossível avaliar a população da área de Versalhes, que se desenvolveu ao longo dos anos, mas variou conforme o ritmo dos trabalhos.”
(Wilhelm, 1988, 13)

No século XVII, a sociabilidade era regulada pelas regras impostas pela corte de Luís XIV, ou seja, os comportamentos eram determinados segundo a posição do indivíduo na hierarquia social. Exemplo radical do exercício e da manipulação simbólica do poder, a realeza evidência, com sua etiqueta, a importância do ritual na construção da imagem pública.

“(...) Como se vê, a etiqueta assumia nesta sociedade e neste tipo de governo uma função simbólica do maior alcance.”
(Elias, 1995, 59)

O processo de transformação histórica da etiqueta aconteceu aos poucos e as regras que antes diziam respeito somente a comportamento em locais sagrados, á mesa, no leito, á manipulação de órgãos como o nariz, boca, ouvido etc., vão sendo superadas, passando a dividir espaço com disciplinas incluídas nos exercícios escolares como leitura, escrita, oração etc.
A corte francesa, que estava acostumada a se alimentar com as mãos, teve que se adaptar ao universo da etiqueta, dos novos tipos de comida, hábitos e postura a mesa, como o cuidado para não se sujar ou ser apresado ao comer, o comportamento a mesa pelo fato de ser visto como um ritual complexo no qual estava em jogo a sociabilidade ou seja, comer em companhia dos outros. Aquilo que a elite fazia em seus movimentos em situações coletivas era o que passava a ser almejado.

“Assim, evitava-se o que ocorreu a Coulanges na casa do duque de Chaulnes, onde, “tendo desejado um peixe-aranha, Madame de Saint-Germain o colocou num prato para dá-lo a mim; mas apesar de dizer que não queria o molho, a própria dama... o regou várias vezes com sua colher, que acabava de sair de sua bela boca. Madame de la Salle”, acrescenta ele, “nunca servia a não ser com seus dez dedos.”
(Wilhelm, 1988, 225)

Outra preocupação estava relacionada com a limpeza, que não era apenas um esforço de individualização, mas um sinal de “elegância” no convívio, tornando-se “refinado” na sua aparência era símbolo de distinção.
O empreendimento da etiqueta constituiu-se com estratégia para dificultar o acesso dos mais pobres, aumentando a distancia social e reduzindo a convivência entre os dois pólos, já que, sem o domínio dos códigos estabelecidos, o contato ficaria cada vez mais difícil.
Acentuou-se no século XVIII, o interesse em compartilhar momentos com um grupo que fosse homogêneo, marcado por uma afinidade cultural, das maneiras e gestos em todos os campos da vida, dos quais a alimentação era apenas uma das esferas. A preocupação principal era com o nível social.
É interessante notar que o que vai compondo a etiqueta desde a sua origem é a preocupação com marcas exteriores que distinguem ou separam camadas sociais.
A grandeza do reinado de Luís XIV e da França, indiscutível em diversas áreas, custou ao que parece, um preço bastante elevado aos que não pertenciam ás classes privilegiadas, camponeses eram arrancados á força de seus lares, homens eram enviados a prisões por pequenas faltas, pobres eram tratados com culpados e condenados aos mais duros trabalhos, assim eram tratados os menos privilegiados.
No entanto, a construção de um poder com ajuda da imagem pode ser fortemente decepcionante quando ele rui. Na época da morte de Luís XIV, ocorrida em 1715, a França agonizava. Aquele poderoso reino, que em 1661 chegará as suas mãos, não passava de uma nação com um povo faminto, arrasada pelas doenças, pelo desemprego e, acima de tudo desacreditada na imagem daquele rei que seria forte e inabalável.
Podemos concluir que a função da etiqueta não se limitava à demarcação da distância entre a corte e seus súditos. A sociedade de corte aceitava pacificamente as regras de etiqueta que lhes eram impostas buscando assim uma promoção pessoal e como conseqüência a aproximação com a realeza, o que lhe conferia prestigio. Enquanto Luís XIV, além da sua própria exaltação a usava como um instrumento de dominação, controle e vigilância dos seus súditos, assegurando assim o seu poder supremo.



REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

NORBERT, Elias. A sociedade de Corte. Rio de Janeiro: Estampa, 1995.
WILHELM, Jacques. Paris no Tempo do Rei Sol. São Pulo: Campanha das Letras, 1988.