4.9.07

| e Willians encontra a Factory

| a “estrutura de sentimento” e o “residual, emergente e dominante” de Raymond Willians na Silver Factory de Andy Warhol como vanguarda das revoluções culturais da década de 60.
Warhol e sua Silver Factory |

Warhol's Superstars; personagens que operavam a “Fábrica” |

“Factory” e a Pop Art |

“Fábrica” como vanguarda das revoluções culturais da década de 1960 |

e Willians encontra a Factory; “Fábrica” e a estrutura de sentimento |


proximidade entre trópicos; 'Factory' e o Tropicalismo |


sexo, drogas & rock'n roll; um emergente, dominante e residual da “Fábrica” |




| Warhol e sua Silver Factory
Originalmente Andrew Warhola, nascido à 6 de agosto de 1928, Andy Warhol foi um dos mais influentes artistas do século XX. Cineasta de vanguarda, produtor musical, autor e uma figura pública conhecida por suas relações com os mais diversos meios sociais, Warhol, depois de uma bem sucedida carreira como ilustrador, ganhou projeção mundial com sua principal atividade, seu trabalho como pintor, que projetou-o ícone máximo da Pop Arte. Tanto em sua arte quanto em sua vida pessoal - refletida em seu estúdio, a Silver Factory – Warhol representa uma síntese de questões contemporâneas em seu momento então embrionário.
Terceiro e último filho de emigrantes da Checoslováquia, o pai, Andrei, emigrara para Pittsburgh, Estados Unidos, em 1921 evitando ser recrutado pelo exército austro-húngaro no fim da Primeira Guerra Mundial.
O já tímido Warhol, vítima por anos de uma doença que atacara seu sistema nervoso central, estudou no Liceu de Schenley onde frequentou as aulas de arte, assim como as aulas do Museu Carnegie, instituição próxima. A família, graças a poupanças, conseguiu bancar seus estudos universitários no célebre Instituto de Tecnologia Carnegie, a atual Carnegie Melon University, onde Andy enfrentou grandes dificuldades, sobretudo na cadeira de Expressão, devido ao seu deficiente conhecimento do inglês, já que a mãe nunca tinha deixado de falar checo em família, mais um motivo a acentuar sua timidez.
Ao fim da 2.ª Guerra Mundial, foi obrigado a abandonar o Instituto no fim do primeiro ano, para dar lugar aos soldados americanos desmobilizados, com a aprovação da Lei de Desmobilização (GI Bill) que obrigava as universidades americanas a dar preferência a estes soldados desmobilizados. Alguns dos seus professores defenderam a sua permanência na instituição, e pôde por isso frequentar o Curso de Verão, que lhe permitiria reinscrever-se no Outono seguinte. Os seus trabalhos nesse Curso lhe garantiram prêmios do Instituto e a exposição de seus trabalhos. Acabou a licenciatura com uma menção honrosa em desenho, mudando-se para Nova Iorque em junho de 1949, à procura de emprego como artista comercial.

Primeiramente contratado como ilustrador pela revista Glamour, passou depois a desenhar anúncios para revistas como a Vogue e a Harper's Bazaar, assim como capas de livros e cartões.
Em 1952, Andy Warhola, já usando sobre seus cabelos escuros a peruca branca que criou imortalizada à sua imagem, retira o “a” do final de seu sobrenome e, a partir de então com Andy Warhol, realiza em junho desse ano sua primeira exposição na Hugo Gallery: “15 Desenhos baseados nos escritos de Truman Capote”. A exposição foi um sucesso não só comercial como artístico.
Em 1961 realizou a sua primeira obra em série, através da técnica de silk-screen, usando as latas da sopa Campbell's como tema e continuando com as garrafas de Coca-Cola e as notas de Dólar, reproduzindo continuamente as suas obras, com diferenças entre as várias séries, tentando tornar a sua arte o mais industrial possível, usando métodos de produção em massa. Estas obras foram expostas primeiro em Los Angeles, na Ferus Gallery, depois em Nova Iorque, na Stable Gallery. Em 1963 sua pretendida arte de produção “industrial” ganha uma fábrica, sua Silver Factory, seu estúdio.
Sua “fábrica” ficava no quinto andar do número 231 na Rua 47 no centro de Manhattan. O aluguel custava algo em torno de mil doláres por ano.
Famosa por suas grandiosas e agitadas festas, a Fábrica era o lugar mais ineressante para artistas, usuários de afetaminas e para os Warhol Superstars celebrarem. Tornou-se um ponto de encontro para artistias e músicos. Lou Reed, Bob Dylan, Truman Capote and Mick Jagger eram figurinhas carimbadas por lá. Salvador Dalí e Allen Ginsberg também freqüentavam a Factory, porém, com menos frequência. Warhol acabou por e produzir a banda The Velvet Underground em 1965, agregando Nico a banda pouco depois e criando a capa de um dos mais importantes albúns da história do rock, a famosíssima capa de The Velvet Underground & Nico, o primeiro da banda.
“Walk on the Wild Side”, mais conhecida música da carreira solo de Lou Reed, 'fala sobre os superstars de Warhol e seus hábitos na Fábrica. Menciona Holly Woodlawn, Candy Darling, Joe Dallesandro, Jackie Curtis e Joe Campbell (referido na música por Sugar Plum Fairy, seu apelido na Factory).
Litografias, silkscreens, pinturas, filmes, ensaios da Velvet Undeground... tudo acontecia ao mesmo tempo. Sua fábrica produzia e vivia arte. Trabalhando dia e noite em suas pinturas, Andy passou então a usar pessoas universalmente conhecidas, em vez de objectos de uso massificado, como fontes do seu trabalho. De Jacqueline Kennedy a Marilyn Monroe, passando por Mao Tse-tung, Che Guevara ou Elvis Presley. A técnica baseava-se em pintar grandes telas com fundos, lábios, sobrancelhas, cabelo, etc. berrantes, transferindo por serigrafia fotografias para a tela. estas obras foram um enorme sucesso, o que já não aconteceu com a sua série Death and Disaster (Morte e Desastre), que consistia em reproduções monocromáticas de desastres de automóvel brutais, assim como de uma cadeira eléctrica. Durante a divulgação desta sua série, Warhol cunhou sua mais célebre frase: “In the future everyone will be famous for fifteen minutes” (No futuro, todo mundo será famoso por quinze minutos).
Suas “Superstars”, constituiam um grande grupo de atores pornôs, drag queens, víciados em drogas e músicos que o ajudavam a ciar sua arte o inspirando. atuando em seus filmes e, principalmente, desenvolvendo a atmosfera pluralista que tornou sua Factory legendária.
O nome Silver Factory foi atribuido por seus freqüentadores devido a decoração do estúdio de Warhol. Coberta por papel alumínio e tinta spray prata e decorada majoritariamente por objetos e móveis metálicos, a Fábrica foi decorada por seu amigo Billy Name que também foi o fotógrafo oficial da casa. freqüentemente Andy também usava balões prateados para decorar o teto.
O apartamento de Billy Name tinha uma decoração semelhante a da Factory e em uma visita, Warhol lhe pediu que a reproduzisse em seu recém adquirido loft. Para Billy, um iluminador teatral à época, o prata representava uma decadência da decoração teatral além de refletir uma tendência muito forte da nova década de 60 que relacionava o metal a uma certa estética de futuro. Para Warhol o brilho e a ostentação do prata sobre uma estrutura industrial (uma vez que seu loft consistia estruturalmente num galpão) representava uma observação dos valores americanos, observação crítica esta, também presente em sua arte.
Os anos de duração da Silver Factory ficaram conhecidos por Silver Era, uma era repleta de dinheiro, drogas e fama. Warhol financiava esse estilo de vida de muitos de seus superstars através do grande retorno financeiro que as inúmeras obras, séries e licenças produzidas dentro da atmosfera da Fábrica lhe concederam.
Considerado obsceno, a sociedade americana tradicional se escandalizava com o que sabia da nudez, do uso de drogas, das relações homossexuais e do sexo naturalizados na Factory e em sua obra, especialmente em seus filmes. Personagens não aceitos socialmente como transgenêros e garotos de programa, tinham papéis em seus filmes e habitavam a Factory.
Warhol começou a filmar logo que inaugurou sua Fábrica, também em 1963, o primeiro foi Kiss, e excluindo os nunca lançados e perdidos junto aos não concluídos, sua filmografia conta com cerca de setenta filmes filmados totalmente ou majoritarailmente dentro da Factory.
Em Junho de 1968 Valerie Solanas, uma frequentadora da Factory, criadora solitária da SCUM (Society for Cutting Up Men – Sociedade Pró-Castração dos Homens), entrou no estúdio de Warhol e atirou seis vezes em Andy, seu intuito era o de atirar em um outro cara, porém, ao não encontrá-lo, decidiu disparar no primeiro que encontrasse. O pintor levou mais de dois meses para se recuperar. Quando saiu do hospital, passou a se sentir bastante inseguro quanto aos lugares em que frequntava e especialmente com as pessoas com quem convivia. Dedicou-se então a criar a revista Interview, e a apoiar jovens artistas em início de carreira. Escreveu livros (a sua autobiografia The Philosophy of Andy Warhol - From A to B and Back Again - publicada em 1975) e apresentou programas em canais de televisão a cabo. A sua pintura voltou-se para o abstraccionismo e o expressionismo, criando a série de pinturas Oxidation (Oxidação), que tinham como característica principal terem recebido previamente sua urina.
No mesmo ano do atentado, 1968, mudou sua factory de lugar, o que, junto a sua reclusão, culminou em uma sofisticação de seu público. O que pôs fim a Silver Era.
Em 21 de fevereiro de 1987, Warhol foi internado no quarto 1204 do Pavilhão Baker do New York Hospital sob o para uma cirurgia de vesícula. A operação correu bem mas na manhã seguinte, dia do aniversário de seu amigo Billy Name, um inexperado ataque cardíaco provoca a morte de Andy Warhol.


| Warhol's Superstars; personagens que operavam a “Fábrica”
A Factory, além de ser um ambiente de intensa criação artística, também era um espaço de socialização que atraía personalidades, socialites, junkies e se tornou o hype da sociedade nova-iorquina da época. Entre várias pessoas que circulavam pela “fábrica”, destacam-se algumas que não eram apenas figurantes, mas atuaram ativamente junto com Andy Warhol nas suas produções e é algumas dessas pessoas que este tópico aborda.

Gerard Malanga |
Braço direito de Andy Warhol durante o período de 1963 a 1970, quando se desligou da Factory. Atuou em muitos de seus filmes, além de ser fotógrafo, assistente, “dançarino” e “performer” em algumas apresentações musicais do Velvet Underground. Fundou junto com o artista, a revista Interview. O site dele (www.gerardmalanga.com ) possui um arquivo de fotos de poetas, músicos, além de um registro de diversas fotos da Factory e de Andy Warhol.

Edie Sedgwick |
Teve uma curta carreira como modelo, mas foi com Andy Warhol que ganhou destaque. Edie conheceu o artista através de um amigo e passou a freqüentar a Factory. Numa dessas visitas, Andy a colocou para aparecer no filme Vinyl (1965) e em menos de um mês, ela foi, de certa maneira, a escolhida para ser a “rainha da Factory”, tendo participado de mais de dez filmes. Nesse período, Andy e Edie se tornaram uma dupla inseparável, comparecendo em diversos eventos juntos. Era comum que Edie pintasse o cabelo de prateado para ficar parecida com Andy e também, frequentemente se denominava como Sra. Warhol.
Entre os vários rumores levantados sobre sua saída da Factory em 1967, o que aparece mais frequentemente é que a moça estava recebendo muitos conselhos para se tornar uma atriz “de verdade”, ou seja, fora do circuito alternativo e isso trouxe muita confusão para relação de Edie e Andy. Além disso, também consta que o uso excessivo de drogas levou à separação da dupla e ao fim da era Edie Sedgwick, que deu lugar à era Nico. Edie teve uma overdose e morreu em 1973.

The Velvet Underground |
Banda de vanguarda da década de 60, muito influente até hoje, tendo colaborado para o surgimento do punk. Encabeçada por Lou Reed nos vocais, tinha ainda como integrantes na fase inicial Sterling Morrison, Maureen Tucker e John Cale. Warhol passou a financiar e ocupar o papel de mentor intelectual da banda após vê-los tocando, a convite de Paul Morrissey. Logo, os Velvets passaram a ser integrantes da Factory, levando na música e até na aparência, uma mistura de tudo o que se passava no local, como as experiências com drogas e sexo, principalmente sadomasoquismo.

Nico |
Porém, rapidamente, Morrissey convenceu Andy Warhol de que Lou Reed não era bom o suficiente para liderar a banda, nem era um bom performer. Colocaram para dividir os vocais uma moça que já havia passado pela Factory e deixado uns discos gravados por ela. Seu nome era Nico. Como se pode ver através das lentes de Gerard Malanga, era muito bonita e exótica e se tornou rapidamente a nova musa de Andy Warhol, para desespero do Velvet Underground. Mas como o acordo da banda com Andy era contratual, foi preciso aceitar a integração de Nico à banda. Andy deu início, então, a um de seus mais ousados projetos, o Exploding Plastic Inevitable. O EPI, como também era conhecido, acontecia num teatro antigo de Manhattam, onde no palco ficava o Velvet Underground acompanhado pela nova cantora, vestidos de preto e, em cima deles, ficavam sendo projetos filmes feitos por ele. Nas paredes, alguns quadros e algumas fotos eram expostos. O palco também era usado por performers, entre eles Gerard Malanga, que faziam simulação de uma relação sadomasoquista durante a música Vênus in Furs.

| “Factory” e a Pop Art
A Pop Arte é um movimento artístico cujas obras se apresentam como um reprocessamento das imagens massificadas e de consumo. Essa reprodução ocorre através de símbolos da cultura de massa americana e reforça a questão da indústria cultural no circuito integrado das artes.
O movimento trouxe um questionamento dos valores pré-estabelecidos ao tratar da arte popular como algo integrado aos meios elitistas. A partir do momento que resignifica os papeis da arte banal cotidiana, estabelece os produtos simbólicos massificados como algo em um mesmo patamar da arte erudita. Como resultado, a arte que se presta a discutir a questão cotidiana passa a se estruturar dentro de um circuito fechado, limitando seu acesso, cada vez mais, aos simpatizantes das artes.
A reflexão em torno da produção da Pop Arte se iniciou através do grupo The Independent Group no Instituto de Arte Contemporânea em Londres. Esse grupo de jovens radicais, criado em 1952, começou a utilizar elementos dos filmes, ficção científica, propaganda e música como forma de afirmar a cultura comercial como um fato e, dessa forma, como algo que devesse ser discutido e consumido com maior aceitação. Dentre seus participantes destacam-se Richard Hamilton, Nigel Henderson, Eduardo Paolozzi and William Turnbull.
A Pop Arte nos EUA obteve força de representação a partir da exposição "Arte 1963: novo vocabulário, Arts Council, Filadélfia e Os novos realistas, Sidney Janis Gallery, Nova York". Na década de 1950 muitos artistas americanos produziram isoladamente sem permitir uma reflexão articulada como movimento. Através dessa exposição, e de outras que a sucederam, muitas das figuras conhecidas hoje como Andy Warhol, Roy Lichtenstein, Claes Oldenburg, James Rosenquist e Tom Wesselmann se oficializaram como personalidades representantes da Pop Art.
Andy Warhol nasceu em uma família humilde de refugiados da Eslováquia e frequentou o Carnegie Institute of Technology, em Pittsburg, onde se formou em desenho artístico. Após se mudar para Nova York, trabalhou como ilustrador de revistas como Vogue e Harper's Bazaar, o que fortaleceu seu contato com o mercado publicitário.
Na década de 1960 ele reproduziu ícones da cultura americana como as latas da sopa Campbell's , a Coca Cola além dos ícones de popularidade, como Marilyn Monroe Liz Taylor e Marlon Brando.Andy Warhol é o grande criador da frase "no futuro todo mundo será famoso por quinze minutos", através dessa questão ele questionou os valores da sociedade industrial de massa e a cultura global através de uma crítica da falta de individualidade e o caráter descartável dos ídolos atuais.


| A “Fábrica” como vanguarda das revoluções culturais da década de 1960
A Silver Factory foi o lar criativo de um grupo heterogêneo de fotógrafos, atores, escritores, cinegrafistas, intelectuais, músicos, ativistas, travestis, transexuais, prostitutas, empresários e excêntricos. Foi o local de criação de uma série de filmes alternativos, dos mais famosos impressos de Andy Warhol e o centro de uma intensa atividade criativa, que se utilizava da total liberdade de expressão de seus indivíduos para a criação de arte. “Um lugar onde você poderia deixar seus problemas aparecerem e ninguém te odiaria por isso”, conforme Warhol em uma de suas entrevistas. A “Silver Era” ficou marcada na obra do mestre da Pop Arte não só por conta do design inovador, mas por popularizar o submundo novaiorquino, além do liberalismo sexual, festas, drogas e fama.
Apesar de afastado da alta sociedade intelectual da época, principalmente por trazer questionamentos a respeito da aura das artes áudio-visuais e do próprio conceito de Arte, o legado da Fábrica manteve-se ativo no circuito cultural americano, e 40 anos depois essa atmosfera criativa ainda é objeto de estudo para o entendimento das revoluções culturais da década de 60.
Com sua reputação de artista plástico já consolidada, Warhol lançou-se à conquista do cinema dirigindo experimentos visuais memoráveis. Entre 1963 e 1967, registrou em sua bolex de 16 mm. metros de filmes inusitados, subversivos, mas sempre de interessante teor documental e artístico. Grande parte das estrelas de Warhol eram amigos vindos do underground novaiorquino e artistas de vanguarda, que encenavam seus próprios dilemas, aventurando-se nas orgias sexuais e festivais de entorpecentes promovidos na Fábrica. Essa energia criativa era impulsionada por uma resignificação dos valores tradicionais, através da naturalização da sexualidade e da liberdade de orientação sexual, além da diluição de determinadas posições sociais, como de classes, gêneros e de poder. Em uma cena do filme Velvet Underground & Nico, Andy Warhol documenta uma batida policial motivada por queixas da vizinhança com trabalho de câmera psicodélico e barulho ensurdecedor.
Grande parte dos filmes rodados era a documentação dos performers em momentos de total entrega, uma oportunidade sem precedentes de expressarem a si mesmos. Os atores levavam essa condição a limites extremos, tanto que a modelo Ivy Nicholson tentou cortar seu pescoço em cena. “Essa pessoas ficam sem reação quando estão evolvidas com filmes, porque eles não entendem o quanto poderosos podem ser. Algo desencadeia porque eles não estão realmente atuando. Começam a tirar essas coisas estranhas de suas mentes e jogam isso na câmera”, disse Alan Midgette, um dos únicos atores profissionais a atuarem na Factory.
Warhol também criou um ambiente de liberdade sexual dentro da Fábrica, que culminava na essência de seus filmes. Casamento de drag queens, peças vulgares e festas intermináveis tomavam conta da cena. Relações sexuais e nudismo eram comuns, a exemplo da filmagem de Lou Reed relacionando-se com Billy Name e o Couch, um dos filmes mais populares de Warhol, que apresenta um ménage à trois no lendário sofá da Factory.
Nesse sentido, Warhol trabalhou na possibilidade de uma transgressão estética do que era apresentado como arte, na abordagem de diversos temas considerados altamente obscenos na época. O filme Vinyl apresenta cenas de sadomasoquismo de forma banalizada enquanto o stop motion Blow Job é um culto ao voyerismo nos 38 minutos que apresenta um ator recebendo uma felação. Este último faz parte de uma série que pretende mostrar diversas atividades cotidianas e foi considerada uma das melhores forma de utilização do espaço fílmico off-screen. Os filmes experimentais da Fábrica foram apontados, mais tarde, como uns dos pré-cursores da videoarte.
“A essência do Andy se fixou profundamente na cultura de vanguarda de Nova York” diz Billy Name. Seu mérito está diretamente associado ao que ele permitiu o outro fazer, estando atento às pequenas pérolas provocadas pela liberação das frustrações de seus personagens e transformando toda essa energia em arte. Name e Watson descrevem Warhol como um legitimador, mais facilitador da criatividade do que um criador de fato. “[Warhol] criou uma atmosfera da permissão”, diz Name. Sua influência pessoal vem dar nova forma ao que nós compreendemos como arte, como idéia de celebridade. Foi capaz de desenvolver o sentido embrionário do que conhecemos hoje como reality show, eternizando a Silver Factory na imaginação coletiva.


| e Willians encontra a Factory; “Fábrica” e a estrutura de sentimento
“Silver Era”, como ficou conhecido o período que compreendeu o auge das atividades na Silver Factory, ocorreu entre os anos de 1963 e 1968. Durante esse período a Factory incorporou a energia criativa e o espírito libertário dos anos 60, sintetizando entre suas paredes prateadas as revoluções artísticas e culturais da época.
O conceito de estrutura de sentimento foi desenvolvido por Raymond Williams para analisar as formas culturais e artísticas, relacionando-as com o seu contexto histórico, (abrangendo as esferas social, cultural, política, econômica), o discurso dominante da época. Buscando fugir de conceitos como “ideologia” ou “visão de mundo”, tidos como formais e sistemáticos, uma estrutura de sentimento seria, segundo Williams, os “significados e valores como são realmente vividos e sentidos”. Esta estrutura de sentimento, compartilhada por artistas, intelectuais e demais atores sociais, procura dar conta do “pensamento tal como sentido e do sentimento tal como pensado: a consciência prática de um tipo presente, numa continuidade viva e inter-relacionada”. Analisando as atividades da Silver Factory a partir da estrutura de sentimento vigente naquele período, podemos observar o quanto a Factory representou uma personificação do ar revolucionário da época - os frequentadores da Factory, e toda a produção artística desenvolvida no espaço, estavam sintonizados com o ambiente contestador e contracultural, as atitudes transgressoras, as inovações no âmbito da arte e da música, a liberdade sexual, da experimentação com drogas.
No campo artístico, no mundo inteiro surgiam proposições que questionavam os estatutos e os suportes tradicionais da arte, buscando uma reestruturação das relações convencionais entre arte e espectador, abolindo pedestais e molduras e buscando novas formas de interação. A produção internacional das artes plásticas perdia a caracterização básica de manufatura de objetos “transcendentais” de contemplação passiva, e de maneira geral, o mundo artístico enveredava cada vez mais por uma crítica à instituição artística, às formas de fruição e à inserção social da arte. Valorizava-se a improvisação, a interatividade, a coletividade. Todos esses elementos estavam presentes na Pop Art e nas experiências cinematográficas produzidas na Factory. Salvador Dalí chegou a frequentar a Factory em suas estadias em Nova York.
Na música, foi na década de 60 que se recriou a linguagem do rock'n'roll, para muito além dos compassos criados por Chuck Berry. A criatividade musical da época veio para ficar e influenciar as gerações seguintes. A música que se fazia era incômoda, inovadora, ousada, fielmente conectada às pretensões de seu tempo. A Silver Factory era ponto de encontro de grandes nomes do rock'n'roll, figuras que se tornaram lendárias na história da música, como Bob Dylan (nos primeiros anos), Lou Reed e o Velvet Underground, Mick Jagger, entre outros. O Velvet Underground ensaiava na Factory; a música Walk on the Wild Side, uma das mais conhecidas da carreira solo de Lou Reed, é sobre os frequentadores da Factory, os Warhol Superstars - cita Holly Woodlawn, Candy Darling, Joe Dallesandro, Jackie Curtis e Joe Campbell (referido na música pelo seu apelido Sugar Plum Fairy). Andy Warhol criou capas de CD para o Velvet Undergound e para os Rolling Stones.De uma maneira geral, a convivência entre os frequentadores da Factory - poetas, fotógrafos, pintores, músicos, toda sorte de tipos marginais, drag queens, transexuais, junkies, mendigos, modelos, atrizes - os proporcionava uma série de experiências de deslocamento das distâncias sociais e dos valores burgueses, num período em que se pregava a valorização da marginalidade urbana, as alterações perceptivas radicais do mundo das drogas, a libertação erótica com as aventuras e descobertas sexuais, a vida desregrada. Muitas vezes oriundos de mundos completamente diferentes entre si, os Superstars, mais do que integrantes de um ou outro grupo social, se enquadravam em um ideário, uma estrutura de sentimento que se constituiu na década de 60, e que eles incorporavam de maneira quase inconsciente. Os frequentadores da Silver Factory não tinham consciência do papel que desempenhavam dentro do contexto das revoluções da época. Não havia um posicionamento político definido enquanto grupo, não se levantavam bandeiras nem tampouco havia uma proposta clara no que se refere às atividades que eram desenvolvidas na Factory. Essa qualidade de experiencia viva é particularmente importante no conceito de estrutura de sentimento de Raymond Williams. Nesse sentido, os artistas e atores sociais nem sempre estão conscientes da estrutura de sentimento no momento em que a constituem. Somente com a passagem do tempo, “[...] quando essa estrutura de sentimento tiver sido absorvida, sao as conexões, as correspondências, e até mesmo as semelhanças de época, que mais saltam a vista. O que era então uma estrutura vivida, é agora uma estrutura registrada, que pode ser examinada, identificada, e até generalizada".


| proximidade entre trópicos; 'Factory' e o Tropicalismo
Não são apenas as drogas, as orgias generalizadas e o caráter libertino que nos levam a inevitáveis comparações da “fábrica prateada” de Midtown Manhatan ao movimento sócio-cultural que surgia no Brasil no final da década de 60. Além do evidente aspecto experimental e vanguardista, notável tanto nas produções de pop arte de Warhol quanto nas do Tropicalismo, um importante movimento de revisão de parâmetros cristalizados do imaginário coletivo nas duas sociedades foi precurcionado.
Para entendermos melhor esta fundamental ligação entre os dois movimentos, retomaremos aqui alguns dos conceitos de “Estrutura de Sentimento” de Raymond Williams vistos na seção anterior.
Williams se utiliza do termo “sentimento” para designar uma concepção menos pragmática que “ideologia”. Essa idéia chega para complementar as concepções formais de visão de mundo, com o propósito de diluir a linearidade, além de agregar um parâmetro analítico mais humano ao novo termo. Mais que mera teoria, “Estrutura de Sentimento” tem a intenção de caracterizar uma força “do pensamento tal como sentido e do sentimento tal como pensado” (Williams, 1979, pp. 134-135), compartilhada por diferentes grupos que, além de semelhantes idéias, possuam uma força motriz viva e fundada nos mesmos impulsos.
Essa força, como pode-se averiguar, ultrapassa limites mais técnicos e até mesmo geográficos. Ela é sem dúvida a força que une dois movimentos aparentemente tão diferentes, e os torna tão próximos.

O Tropicalismo; Um caminho do meio
As principais manifestações artísticas que imperavam no Brasil dos anos 60 dividiam-se em dois segmentos. A Jovem Guarda representava o grupo cujo foco principal era o entretenimento das camadas populares, com a exaltação do frívolo e do dito “American Way of Life”. O outro grupo, o da Bossa Nova e da Música Popular Brasileira, era constituído e dirigido para camadas mais intelectualizadas da sociedade. Este apresentava em suas politizadas produções um explícito senso crítico e possuía um ideal de resgate de valores humanos, recorrendo a raízes do passado. Havia uma esperança da construção de um novo cidadão brasileiro que não se deixasse contaminar pela modernização que ascendia.
E é exatamente em meio a dois sentimentos tão opostos que surge o Tropicalismo. Através de suas produções visuais, escritas e principalmente musicais, uma nova turma surgia com idéias inovadoras e com as manifestações políticas menos priorizadas.
Talvez por viverem um período de intensa repressão. Talvez, simplesmente como diziam, porque a experiência artística já valia como manifestação por si só.
O movimento composto por Gilberto Gil, Caetano Veloso, Os Mutantes, Torquato Neto entre muitos outros, não tinha a intenção de estabelecer uma opinião fixa a cerca do que deveria ser o homem novo ou quais seriam as influências do chamado capitalismo tardio brasileiro. Acreditavam no agora. Na utilização de todos os recursos que estivessem à disposição. A formação de um novo cidadão só poderia ser a conseqüência do maior ideal que sua geração pedia: Liberdade.
A liberdade sempre foi a característica mais forte do Tropicalismo. Valia juntar ritmos diferentes, instrumentos musicais, objetivos fúteis ou sarcásticas alfinetadas. Seus limites eram menos determinados. Seja na grande Mídia, seja no banco de praça, desfazer tabus e fazer amigos parece ter sido o maior objetivo de nossos “doces bárbaros”.

Silver Factory: quebra de limites entre Arte e Cultura de Massa
Da mesma forma, conseguimos perceber nas produções artísticas da “fábrica de idéias” norte-americana um enorme turbilhão de conceitos híbridos e inovadores.
Através de sua ousadia e perspicácia, Warhol reconfigurou também o que parecia fixo e inquestionável. A arte, por exemplo, que sempre ocupara um lugar de prestígio social, caracterizada por complexidades conceituais e rebuscamentos técnicos, passou a se apresentar de forma simples, direta e mais inovadora do que nunca.
Transformar produtos de cultura estritamente massiva ou cotidiana em obras de arte, foi a carta na manga que transformou o jogo de experimentalismo fanfarrão da Silver Factory em coisa séria. É como se Andy Warrol tivesse conseguido captar o que por estar tão perto dos olhos de todos tornou-se embaçado. Como ele mesmo incitara, não existia um cidadão americano que não gerisse algum significado acerca das grandes celebridades hollywoodianas ou de uma latinha de Coca-Cola.
E com uma câmera na mão, algumas telas de silk-screen e dúzia de festas de arromba na cabeça, parece que também andava por lá a tal da permissividade. Os limites só serviriam para serem quebrados. Já não mais importava o que era masculino ou feminino, o que era arte ou realidade.

Proximidade entre os trópicos
Coincidentemente (ou não), enquanto o Tropicalismo ensaiava os traços daquela que seria a grande “Geléia Geral” brasileira em 1967, Warhol e suas superstars começavam a se despedir de seus quinze minutos de fama, que declinariam progressivamente com o fechamento da factory em 1968.
Mas apesar das grandes diferenças espaço-temporais, sociais, políticas e econômicas inquestionáveis, existia algo visível que foi compartilhado nos dois movimentos. Não queremos nos limitar a nomes, mas “Estrutura de Sentimento” é uma boa tentativa. Talvez e provavelmente, apesar das influências assumidas, tal estrutura não era proposital ou consciente. Todavia, analisando como espectadores do passado, ela nos salta aos olhos e, particularmente, poderíamos sugeri-la em poucas palavras: Inclua, liberte, resgate, mude, faça, refaça...
A maior herança que está geração poderia ter deixado para nós, é a certeza de que nada muda sem atitudes. Heróis são aqueles que não acreditam em dados prontos e o transformam. E transformar foi, sem dúvida, o mais forte elo que fez unir os dois trópicos.
O primeiro passo foi dado.


| sexo, drogas & rock'n roll; um emergente, dominante e residual da “Fábrica”
Além de ser um local de vasta produção artística, onde a música e a pop art fervilhavam e rompiam padrões, surpreendendo e por vezes até chocando a sociedade, a fábrica estabeleceu novas tendências em relação à própria classe artística, seu comportamento e sua importância na industria cultural. Andy Warhol, ao introduzir uma nova espécie de Star System, mudou a maneira do publico enxergar as celebridades, uma prática que encontra eco até os dias de hoje ao analisarmos o culto aos ícones pop.
As Superstars de Warhol não só apareciam em suas obras, mas obrigatoriamente também participavam intensamente de sua intensa vida social, e isso era levado constantemente ao conhecimento do público. As Superstars eram boêmias, excêntricas, levavam em sua maioria uma vida cheia de exageros, drogas, e obviamente geravam publicidade. Em troca, Warhol os acolhia e dava-lhes fama. O artista pertencia à fábrica, era parte integrante dela, participava de sua coletividade orgânica e, portanto, obedecia às ordens de seu chefe.
Tal movimento trouxe novos padrões comportamentais. A sociedade, ou pelo menos uma parte dela, passou a aceitar melhor tanta excentricidade em nome da arte. O meio artístico encontrou neste momento uma liberdade que, inclusive, propiciava o florescimento da criação artística. É claro que tanta “modernidade” e vanguarda encontraram muita resistência nos setores mais conservadores da sociedade, que consideravam tudo como um grande pretexto para a libertinagem. Mas a semente foi plantada: um novo padrão comportamental emergente teve seu lugar e vemos frutos disso ainda hoje na indústria cultural.
Nos anos 70 e 80, os grandes ícones pop beberam dessa fonte. A fábrica modificou totalmente a imagem do ídolo das massas. Se antes havia uma preocupação com a cara de “bom-moço”, nas décadas posteriores houve a legitimização do comportamento “bad boy”: Os rockstars, em sua maioria, podiam se dar ao luxo de ter fama de beberrões, viciados, mulherengos, arruaceiros. Era um comportamento dominante entre as celebridades. Quebrar um quarto de hotel passou a ser “permitido”, até mesmo esperado. Isso pôde ser observado tanto quanto no hard rock, quanto no movimento punk, e posteriormente, com o grunge, nos anos 90. O visual, por sua vez, também chocava e estabelecia tendências: a androginia e a anorexia eram comuns, ou o visual sujo (como no caso do grunge) era plenamente aceito e incorporado, para horror dos mais moralistas.
Hoje vemos uma herança menor dessa revolução no star system introduzida pela Factory. Ainda temos as celebridades baderneiras, que não se preocupam em se comportar diante das câmeras e chocam o público diariamente, brindando a todos com pérolas de seu cotidiano conturbado, para deleite da platéia ávida de novos escândalos. Mas podemos enxergar tal comportamento como residual, pois se percebe todo um movimento um tanto quanto “neo-moralista”, uma volta ao “careta”, o retorno ao “comportado”, provocado pela questão do marketing pessoal no showbizz. Tanta esbórnia não é vista mais com bons olhos. O artista voltou a perder credibilidade e ser alvo de julgamentos públicos, até pelo fato de que, hoje, a superexposição é inevitável. Um escorregão na porta de uma boate, antes seria presenciado por apenas meia dúzia e morreria ali mesmo. Mas a facilidade em registrar o ocorrido por parte do público, bem como a facilidade da divulgação e acesso à informação, transforma qualquer eventual deslize de celebridade em evento de grande escala.
A tendência de comportamento emergente entre os ícones pop caminha em direção ao “politicamente correto”. Todos querem parecer pessoas mais sérias, que fazem diferença, que ajudam a matar a fome mundial. Alguns são mais politizados que os outros, vendem discursos em sua música, colocam a mão na massa para mostrar engajamento político. Outros simplesmente fingem, para sair bem na foto. A maioria das figuras polêmicas que permaneceram em alta, com o passar do tempo, se transformaram em pais e mães de família, agentes ativos engajados em questões sociais - não só em suas vidas pessoais, mas podemos ver resultado disso diretamente em seus trabalhos. É no mínimo algo inusitado perceber tal movimento, ao comparar o antes/depois de certas figuras do meio artístico. Madonna e Ozzy Osbourne são exemplos clássicos disso.
Mas a vida dos famosos, seja ela conturbada ou pacata, ainda exerce um imenso fascínio no grande público, atuando como fato gerador de fama, muitas vezes com o mesmo peso da própria carreira do artista. Sua intimidade pode importar mais do que o seu trabalho. Sem falar do incrível fenômeno da “celebridade instantânea”, que pedestaliza por um período de tempo bastante efêmero, pessoas praticamente despidas de atributos realmente artísticos. Tal aberração é expressão máxima da mais famosa (e quase profética) citação de Warhol: todos têm direito, por menor que seja seu mérito pessoal, a ter seus 15 minutos de fama. Não é preciso talento efetivo para alcançar o status de estrela, basta apenas se destacar de alguma forma, por mais estranha que ela seja. Warhol deixou claro que, assim como se pode fazer arte com produtos de massa, é possível transformar qualquer pessoa comum em superstar.


| Estudos Culturais 2007/01

| Gueko Hiller, João Paulo, Karla Ollie, Lucas Laender, Maria Júlia Bresan, Mariana Chan e Nicolas Rodrigues.